1. A LEI DA SOCIEDADE ANÔNIMA DO FUTEBOL
Em agosto de 2021, entrou em vigor a Lei nº 14.193/2021, que
regulamenta o modelo de clube-empresa, ou em termos jurídicos, a “Sociedade
Anônima do Futebol”. Como torcedor do clube e jurista na área desportiva, atrevi-me
a buscar informações sobre como seria uma hipotética situação de o Fortaleza adotar
um modelo de empresa dentro do futebol.
Segundo a nova norma, Sociedade Anônima do Futebol trata-se da
companhia cuja atividade principal consiste na prática do futebol, feminino e
masculino, em competição profissional (art. 1º, Lei nº 14.193/2021). Vale lembrar
que qualquer clube que migrar para o novo formato de SAF sucederá o clube anterior
nas mesmas condições esportivas dos torneios que estiver disputando.
A “Lei da SAF” foi instituída com finalidade específica ao
definir o futebol como atividade empresária, acrescendo em seu art. 36 o
parágrafo único ao art. 971 do Código Civil: “Aplica-se o disposto no caput
deste artigo à associação que desenvolva atividade futebolística em caráter
habitual e profissional, caso em que, com a inscrição, será considerada
empresária, para todos os efeitos”. (BRASIL, 2021).
2. FORMAS DE FINANCIAMENTO E IMPACTOS TRIBUTÁRIOS
Segundo o art. 1º, § 2º, desta lei específica, o clube
poderá seguir a explorar economicamente dos direitos de propriedade intelectual
de sua titularidade (royalties da marca do FEC), formação de atleta
profissional de futebol, nas modalidades feminino e masculino, e a obtenção de
receitas decorrentes da transação dos seus direitos desportivos, o “passe”,
além de ativos, inclusive imobiliários, sobre os quais detenha direitos.
No art. 26, terá a possibilidade de emissão de títulos de
crédito privado de renda fixa, colocados no mercado de valores mobiliários
pelos próprios clubes, regulados pelo Banco Central ou pela CVM, podendo serem
comercializados na Bolsa de Valores, as “debêntures-fut”. O Leão também poderá,
segundo o art. 30, poderá captar recursos oriundos de todas as esferas do Poder
Público, inclusive os previstos na Lei nº 11.438/2006, conhecida como Lei de
Incentivo ao Esporte (LIE).
Na questão tributária, ao tornar-se uma empresa, o Tricolor
de Aço teria que arcar com o ônus de pegar tributos. Para este formato, a lei
trouxe o Regime de Tributação Específica para o Futebol (TEF), previsto nos
arts. 31 e 32 da Lei nº 14.193/2021, em que são simplificados e unificados o
IRPJ, a CSLL, PIS/Pasep, COFINS, além das contribuições previdenciárias
previstas no art. 22 da Lei nº 8.212/1991. A alíquota será de 5% (cinco por
cento) das receitas mensais recebidas, nos cinco primeiros anos-calendário,
contados a partir da constituição da SAF, e de 4% (quatro por cento), a partir
do sexto ano-calendário.
3. SITUAÇÃO DO FORTALEZA NO DIREITO DESPORTIVO
O FEC possui natureza
jurídica, conforme consta em seu CNPJ e no art. 1º de seu Estatuto, de
associação de prática desportiva de direito privado sem finalidade econômica e
lucrativa, com duração de prazo indeterminado. A atividade principal do clube
está no funcionamento de clubes social, esportivos e similares, constituído
como associação privada nos termos do art. 44, I, do Código Civil.
Por não ter natureza de sociedade empresária com atividade
econômica, o Fortaleza Esporte Clube não opera com lucro ou prejuízo, mas
somente com superávit e déficit, sendo revertidos para a própria instituição,
em situação similar à de uma ONG. Para fins de seu funcionamento e liberdade de
competição, o FEC está sujeito à Lei nº 9.518/1998, a “Lei Pelé”, definido como
entidade de prática desportiva formal (art. 1º, § 1º, desta norma), regulada
pelas normas nacionais e internacionais, aceitas pelas respectivas entidades
nacionais de administração do desporto, no caso do futebol, a CBF.
4. POSICIONAMENTO DA DIRETORIA
Sobre uma possível mudança para o modelo de clube-empresa, o
presidente do clube, Marcelo Paz, rechaçou, a princípio, tal possibilidade: "Acredito
que todos os modelos são sempre bem-vindos, desde que tenham boa gestão. Hoje,
o Fortaleza não tem a mínima intenção de virar S/A. Temos uma gestão com
dirigentes remunerados, planejamento estratégico periódico e profissionais
contratados para todos os departamentos. É um clube associativo com modelo
empresarial", explicou Paz, em entrevista ao UOL Esporte em julho de 2021.
No mês de setembro, em conversa com o diretor jurídico do
Fortaleza Esporte Clube, Dr. Germano Palácio, fora indagado algumas questões
sobre a posição do Departamento Jurídico e da Diretoria sobre a nobilíssima Lei
da SAF (Lei nº 14.193/2021). A resposta foi que o Conselho Deliberativo sequer
se reuniu para colocar esta questão em pauta e, dessa forma, ter uma posição
favorável ou desfavorável sobre o modelo de Sociedade Anônima do Futebol para o
FEC, o que alteraria o CNPJ e estatuto do clube.
Além da falta de posição devido à falta de realização da
reunião do Conselho Deliberativo competente, o ano de publicação do presente
trabalho também coincide com as eleições internas do clube, onde serão eleitos
o novo presidente, vice-presidentes, diretores, além dos membros do Conselho
Deliberativo, nos termos do art. 99 do Estatuto do FEC. Diante de tal situação,
qualquer posição de um membro da diretoria poderia influenciar positivamente ou
negativamente em relação ao pleito. Eleições que acabaram por reeleger o
presidente Marcelo Paz, com os vices de futebol Alex Santiago e Geraldo Luciano
Mattos.
5. POSSÍVEL PROCESSO DE MIGRAÇÃO
Neste cenário de uma possível venda ou mudança de natureza
jurídica, o Fortaleza precisaria de uma Assembleia-Geral com seus membros,
sendo 4.000 conselheiros e 250 sócios-proprietários, convocados pelo Conselho
Deliberativo, para mudança do Estatuto em prol da instituição deixar de ser uma
agremiação esportiva sem fins lucrativos para tonar-se um clube-empresa (no
caso, SAF). O processo de alteração segue os ditames dos arts. 45 e 46, II,
“b”, do Estatuto do Fortaleza Esporte Clube, em que seria necessária a aprovação
unânime dos presentes neste caso.
Sendo realizada a mudança e o submetimento à nova Lei, seria
facultada ao clube uma análise da situação de acionistas e a distribuição das
chamadas “ações ordinárias de classe A”, nos termos da Lei nº 14.193/2021, para
qualquer decisão de mudança no nome, sede, cores ou escudos do clube já com a condição de
SAF, sendo vedada tais ações terem titularidade de pessoa externa ao clube que
originou a Sociedade Anônima do Futebol.
O próprio Conselho Deliberativo, através do site “Leão Transparente”, informa as despesas e receitas previstas e as de fato
operacionalizadas pelo Fortaleza Esporte Clube relacionadas às atividades
desportivas e culturais durante um exercício financeiro, como pode ser
observado no gráfico abaixo:
Considerando o ano de cenário pandêmico de 2020, onde o
clube teve redução significativa nas vendas de produtos de marca própria além
dos licenciados, devido à crise econômica da população justificada pela perda
de empregos e fechamento de empreendimentos do comércio e do turismo, acabou
por culminar também na queda na adimplência dos planos de sócio-torcedor tal
como o impedimento de receitas com bilheteria, haja vista a proibição legal de
público nos estádios de futebol.
Entretanto, ao analisar a previsão de receita prevista e
receita realizada, a diferença do arrecadado justifica o resultado negativo que
consta no gráfico. Concluindo, se não fosse o fato superveniente de pandemia,
muito provavelmente o resultado do exercício seria de superávit e não de déficit.
Com a situação financeira controlada e gestão equilibrada devido às atuais
circunstâncias, justifica-se a falta de pressa do Conselho Deliberativo em
colocar em pauta e principalmente migrar do formato atual de Associação Civil
para Sociedade Anônima do Futebol, além do já citado período eleitoral do
Clube. Não só no FEC, mas em outros clubes brasileiros que operam de forma
positiva em situações de normalidade, o projeto da SAF mostra-se apenas como
fator de oportunidade e não de necessidade.
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