quinta-feira, 11 de março de 2021

Clube-empresa: olhar crítico jurídico


Artigo de Rafael Teixeira Ramos e Ana Cristina Mizutori, postado no Lei em Campo.

A Lei Pelé equipara as associações desportivas com as sociedades empresárias apenas para fins de fiscalização e controle das regulamentações da Lei nº 9.615/98. Tal informação torna-se válida para o debate em voga uma vez que, em situação de fragilidade financeira, as associações poderão sofrer insolvência e não terá amparo da Lei nº 11.101/05 para socorrer aos auxílios da recuperação judicial.

Do ponto de vista político, a natureza jurídica das associações desportivas a integram no Terceiro Setor, circunstância essa que permite parcerias com o Estado e acordos para obtenção de recursos, público ou privado. Por tratar-se de entidades sem fins lucrativos, possuem imunidade tributária consoante previsão Constitucional e legal (Código Tributário Nacional).

Por sua vez, o conceito de sociedade empresária pode ser desmembrado em: sociedades simples e sociedades empresárias. O ponto em comum de ambas se refere à finalidade de obtenção de lucros através do exercício da atividade econômica, de forma profissional e organizada, para produção ou circulação de bens ou serviços, tendo como diferença o objeto social realizado por cada uma destas.

No ordenamento jurídico pátrio, existem os seguintes tipos societários, previstos nos artigos 1.039 a 1.092 do Código Civil: a) em nome coletivo; b) em comandita simples; c) sociedade limitada; d) sociedade anônima; e) comandita por ações.

As sociedades empresárias devem ter seu registro na Junta Comercial ou Registro Público de Empresas Mercantis e por serem regulamentadas pelo Código Civil e leis específicas, tal como a Lei de Falências, possuem amparo para viabilizar a superação de crises financeiras por meio do suporte da recuperação judicial. Referida medida possui a finalidade de permitir a conservação da função social, bem como, estímulo à atividade econômica, tendo em vista a subsistência da fonte produtora de empregos e interesses dos credores.

Com relação à mutação para sociedade empresária em casos de dissolução de associação, pondera-se que se houver a criação de uma nova pessoa jurídica no formato societário, esta estaria impedida de ter os bens da associação destinados para si, óbice este disposto no artigo 61 do Código Civil, sem contar implicações no desporto, uma vez que teria que iniciar em séries inferiores. Se a associação for insolvente, não poderia transferir seus ativos para uma nova associação, sob pena de caracterização de fraude aos credores ou à execução, podendo, tais atos, serem anulados.

A manutenção dos ativos pela entidade original os deixariam sujeitos à penhora direta para satisfação das dívidas contraídas por aquela. E, mesmo que seja apenas permitido o uso dos ativos da associação originária, gratuito ou oneroso, pela sociedade empresária, permanece sem respaldo quanto à isenção de responsabilidade da nova sociedade empresarial constituída, uma vez que não seria suficiente para afastar a responsabilidade desta última, haja vista especialmente a confusão patrimonial que ficaria configurada nesse caso.

Ainda, tem-se a previsão da cessão de direitos de propriedade intelectual, inclusive denominação, símbolos, escudos, siglas e mascotes, que as associações poderão transferir aos clubes-empresas. Dentre as opções societárias compatíveis com o mercado do futebol brasileiro, a sociedade anônima apresenta ferramentas e condições que se coadunam com a atual realidade.

A divisão do capital social em ações e a responsabilidade de cada sócio ou acionista será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. A diferença do modelo associativo, reside na finalidade, tendo em vista que a sociedade anônima visa o lucro, utilizando instrumentos de captação de vultuosos recursos financeiros úteis e necessários.

Eventual modificação no quadro societário da sociedade anônima não demanda alteração estatutária, uma vez que, as referidas ações são títulos negociáveis, aderindo sua inscrição nos livros sociais que poderiam ser inseridas as participações de torcedores na figura de investidor, sem que haja gestão direta e administração da sociedade.

A sociedade anônima poderá obter classificação aberta para que haja negociação na Bolsa de Valores ou mercado de balcão, se houver autorização da Comissão de Valores Mobiliários. As ações na Sociedade Anônima são subdividas em ordinárias ou preferências, sendo esta última vantagens e direitos, tal como prioridade na distribuição de dividendos ou no reembolso do capital, e ainda têm-se a subespécie das ações preferenciais, as ações de classes especiais – Golden share, possuindo direitos estratégicos como o de veto, conforme artigo 17, §7º da Lei de Sociedade Anônima, através da composição de seus principais órgãos, quais sejam: assembleia geral, diretoria, conselho fiscal e conselho de administração, sendo os três primeiros obrigatórios.

A migração das associações desportivas para sociedade anônima, conferindo as ações preferenciais de classe especial, como valiosa ferramenta na reestruturação dos clubes de futebol, permite vantagens e direitos especiais para as entidades desportivas originárias deterem parte do controle do clube.

Nesse caso, a composição da diretoria deve contar com pelo menos dois diretores, acionistas ou não, residentes no país, eleitos e destituíveis a qualquer tempo pelo conselho de administração. Conclui-se que a inserção das agremiações desportivas em regime empresarial consiste em um caminho eficaz para adequar à magnitude que é o futebol, à prosperidade e constância em seu progresso.

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