Resumo: O
artigo utiliza dados sobre a ADPF ajuizada no Supremo Tribunal Federal que
envolve a descriminalização do aborto no Brasil, alterando o Código Penal,
assim como o relato de fatos históricos de proibição e legalização da prática
abortiva em governos estrangeiros e seus respectivos impactos sociais. O
presente texto foi elaborado mediante pesquisa eminentemente bibliográfica em
conjunto com a coleta de dados pela internet relacionados ao tema.
Palavras-chave:
Aborto. Criminosos. Descriminalização. Direitos Humanos.
INTRODUÇÃO
Antes
de tomar quaisquer posições sobre o aborto, é importante frisar três
questionamentos que as pessoas podem fazer para si mesmas, como por exemplo, se
todo mundo sabe que aborto é crime? Se alguém conhece uma pessoa que praticou
aborto? Se viram alguém ser preso por aborto? A resposta destas questões,
provavelmente seria negativa em quase sua totalidade, o que pode colocar em xeque
o valor social da criminalização do aborto.
Um ponto importante a ser inserido e que empobrece bastante o debate no que cerne a legalização ou não do aborto é o ato de “apartidar” o tema. Como por exemplo, a causa pró aborto ser exclusiva de movimentos de esquerda e partidos socialistas, e a causa antiaborto ser inerente aos movimentos de direita e partidos conservadores. Mas o que a história conta é que não é exatamente assim, muito pelo contrário.
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
Em meados dos anos 70, na Romênia, quando governada pelo ditador socialista Nicolae Ceausescu, teve sua prática de aborto terminantemente proibida, tendo inclusive a existência de uma “Polícia Menstrual”, para verificar se as mulheres estavam ou não fazendo uso de métodos contraceptivos. O objetivo do ditador de esquerda era aumentar a população para ter mais mão-de-obra e material humano para eventuais conflitos bélicos. Porém, com seus desmandos e crise econômica causada pelo regime, gerou uma onda de desemprego, atingindo a população mais jovem que foi "obrigada a nascer" diante de um regime autoritário com uma economia caótica. Esses mesmos jovens romenos, marginalizados, amotinaram-se para gerar uma Revolução que culminou com a morte de Ceausescu, dando fim à ditadura socialista no país do leste europeu.
Já nos
Estados Unidos da América, nação capitalista e de maioria cristã e conservadora,
adotou o caminho inverso, a partir do anos 80, a criminalidade começou a cair
de forma bem acentuada no país, e os pesquisadores, intrigados com os números,
tentaram encontrar causas para a queda dos delitos, como o aumento do número de
policiais, envelhecimento da população, dentre outros. Contudo, chegaram na
conclusão que vários Estados legalizaram o aborto, e com a taxa de natalidade
estagnada nas camadas sociais de renda mais baixa, a pergunta “Onde foram parar os criminosos?” ficou
instaurada, conforme pôde ser questionada no livro Freakonomics:
“Crescer em um lar de genitor solteiro praticamente dobra a propensão de uma criança para o crime. O mesmo ocorre com os filhos de mães adolescentes. Um outro estudo mostrou que a baixa instrução materna é o fator isolado de mais peso para conduzir à criminalidade. Em outras palavras, os próprios fatores que levaram milhões de americanas a fazerem aborto também representam indicadores de que seus filhos, caso tivessem nascido, teriam vidas infelizes e possivelmente criminosas”. (DUBNER apud LEVITT , 2005, p. 151)
A DISCUSSÃO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Recentemente no Brasil, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), ingressou no Supremo Tribunal Federal, a ADPF nº 442, e utilizou como um dos fundamentos na petição protocolada uma das repostas hipotéticas para uma das perguntas colocadas no parágrafo anterior. A Associação Nacional pela Inclusão Social (ANIS), em uma pesquisa nacional realizada no ano de 2016, constou que uma a cada cinco mulheres até 40 anos, já havia feito pelo menos um aborto.
Ainda na mesma pesquisa, somente em 2015, estima-se que mais de meio milhão de mulheres fizeram aborto no país, a maioria sendo jovem, com mais de um filho e tendo religião, colocando em cheque os tais valores morais alegados pela bancada de parlamentares cristãos que se opõem à legalização do aborto. Bancada que inclusive pretende restringir mais ainda a prática abortiva com a PEC nº 181, que criaria o Estatuto do Nascituro, proibindo até nos casos de estupro. Está se falando de um número elevado, dado relevante onde a lei penal parece não estar dotada de eficácia social fática.
A Suprema Corte de nosso país, também se manifestou sobre o assunto. A ministra do STF, Rosa Weber, relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, protocolada pelo PSOL, um partido socialista-liberal, sustentando em seu pedido que os dois artigos em questão acabam por afrontar os postulados fundamentais, como: a dignidade da pessoa humana, a cidadania a inviolabilidade da vida, a proibição a tortura e ao tratamento desumano e degradante.
Weber fez uma solicitação de uma audiência pública para discutir sobre a recepção pela Constituição Federal de 1988 dos artigos do Código Penal Brasileiro, o art. 124, que dispõe sobre provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque: (Vide ADPF 54), que implica pena de detenção, de um a três anos; do art. 125, aborto provocado por terceiro, e o art. 126, que versa sobre provocar aborto com o consentimento da gestante, com pena de reclusão, de um a quatro anos. Dispositivos infraconstitucionais que versam sobre a criminalização da interrupção voluntária da gravidez.
Com a finalidade de aumentar o debate e o alcance jurídico da questão a
Ministra solicitou, informações dos outros dois poderes da união que são: o
Senado Federal, A Câmara De Deputados, a Presidência da República, a
Advocacia-Geral Da União e a Procuradoria-Geral da República, para que
analisassem sobre o tema de tão relevância social para a nação.
O Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal rejeitou, por unanimidade,
o julgamento do mérito de duas ações referentes à possibilidade de aborto por
mulheres com zikavírus, condição que pode levar ao parto de crianças com
microcefalia.
A corte
seguiu o voto da ministra Carmen Lúcia, relatora do caso, que considerou
prejudicada a discussão da Ação Direta de Constitucionalidade 5.581 e não
conheceu da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) de mesmo
tema, que está em pauta de forma conjunta. O ministro Luís Roberto Barroso
seguiu com ressalvas o voto relator. Ambas as ações foram ajuizadas pela Associação
Nacional dos Defensores Públicos (Anadep).
Na ADI
5.581, a entidade questiona artigos da Lei 13.301/16, que trata de medidas
de vigilância em saúde relativas aos vírus da dengue, chikungunya e zika — a
explosão do número de casos se deu naquele ano (2016). Mais especificamente, o
artigo 18, que versa sobre a concessão do Benefício de Prestação Continuada
(BPC) para as crianças vítimas de microcefalia decorrente de doenças
transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti.
Segundo
a Anadep, o artigo restringe o benefício ao prazo máximo de três anos e exclui
crianças que apresentem outras desordens identificadas como sinais da síndrome
congênita do zika. Além disso, impede o recebimento do benefício, que consiste
em um salário mínimo, junto com o auxílio-maternidade, pois só é concedido após
o fim da licença-maternidade.
E, por
meio da arguição de descumprimento de preceito fundamental, a associação
apontou omissão do poder público quanto à possibilidade de interrupção da
gravidez nas políticas de saúde para mulheres grávidas infectadas pelo zika.
Pediu, ainda, a inconstitucionalidade do enquadramento de mulheres nessa
situação ao artigo 124 do Código Penal. O dispositivo tipifica o crime de
aborto.
O
ministro Luis Roberto Barroso não apresentou divergência, mas fez uma "ressalva" e
uma "reflexão". Para ele, a Anadep tem, sim, legitimidade para o
ajuizamento da ADPF — essa foi a ressalva.
A
reflexão foi no sentido de que a extinção das ações "adia a discussão de um tema que as principais supremas cortes e
tribunais constitucionais do mundo em algum momento já enfrentam: o tratamento
constitucional e legal a ser dado à interrupção de gestação, aos direitos
fundamentais da mulher e à proteção jurídica do feto".
Assim,
frisou também que o aborto é "fato indesejável", sendo papel do
Estado e da sociedade "procurar evitar que ele ocorra, dando o suporte necessário às mulheres". Reiterando seu próprio entendimento no HC
124.306, destacou que "o tratamento do aborto como crime não tem produzido
o resultado de elevar a proteção à vida do feto". Sem entrar na colisão de
direitos fundamentais (direitos da mulher e proteção do feto), o ministro
asseverou que mulheres são seres autônomos, que devem ter o poder de fazer suas
escolhas existenciais, e não úteros a serviço da sociedade.
CONCLUSÃO
Em linhas finais, nota-se que o tema não encontra consenso entre nenhuma das correntes políticas do país, haja vista ressaltar a forte influência da doutrina judaico-cristã em nossa cultura, assim como o advento de direitos aos nascituro, como por exemplo, no Código Civil. Mesmo a legislação tá dando exceções à prática abortiva, e recentemente, uma jurisprudência, faz-se necessário até onde vale violar a dignidade da pessoa humana da gestante para sacrificar a geração de uma vida com futuro totalmente incerto.
Não há nenhuma comprovação estatística de que a legalização do aborto aumentaria o número de procedimentos, assim como não há embasamento de que a descriminalização reduziria o número de abortos clandestinos, já que o processo é delicado e o Sistema Público de Saúde (SUS) não possui tal estrutura. É um debate para logo pois envolve não só o choque de direitos entre a vida do feto e a liberdade da gestante, mas também a dignidade de ambos e também de um direito coletivo, a saúde pública.
REFERÊNCIAS
BOITEUX, Luciana. Por que
precisamos legalizar tanto o aborto: a ADPF 442. Folha de São Paulo. Disponível em: https://agoraequesaoelas.blogfolha.uol.com.br/2018/07/30/porque-precisamos-tanto-legalizar-o-aborto-a-adpf-442/
Acesso em 16 de dezembro de 2019.
CONSULTOR JURÍDICO. STF
considera prejudicada ação sobre aborto em caso de gestante com zika.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-01/stf-rejeita-acao-aborto-gestantes-zika.
Acesso em 02 de maio de 2020.
DUBNER, Stephen J.; LEVITT,
Steven D. Freakonomics: O lado oculto e
inesperado de tudo que nos afeta. 7ª ed. São Paulo: Campus, 2005.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=373569. Acesso em 16 de dezembro de 20
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